O Partido dos Trabalhadores realizará nacionalmente, no próximo dia 10 de novembro, suas eleições internas (o PED). Para além das candidaturas já postas, é fundamental que o debate das teses e propostas sobre os mais variados temas (conjuntura nacional e internacional, movimentos sociais, juventude, eleições e reforma política, organização do partido etc.) não sejam relegadas a um segundo plano, como tem acontecido na maioria dos lugares (nos PEDs anteriores), onde o que tem imperado é a busca de filiados para a realização do voto na véspera e no dia da eleição (práticas muitas vezes quase nada diferenciadas das utilizadas pelos partidos tradicionais nas disputas eleitorais).
Para contribuir nessa discussão (de especial interesse, supomos, dos militantes e filiados ao PT), achamos de bom alvitre trazer novamente à tona esta importante entrevista concedida (em agosto passado) pelo deputado estadual Raul Pont - atual presidente do PT do RS - ao sítio Sul21, cuja manchete acima ('A política não pode se assim') sintetiza seu descontentamento com o sistema eleitoral vigente e, também, com os rumos do partido em que milita e que ajudou a fundar, o Partido dos Trabalhadores.
Leia a seguir:
Sul 21 - O deputado estadual
Raul Pont (PT) anunciou, em entrevista publicada segunda-feira (26) no Jornal do Comércio, que não pretende concorrer nas eleições do ano que vem. A decisão
de Pont, atual presidente do PT do Rio Grande do Sul, não significa um abandono
da política. Pelo contrário, é um gesto carregado de significados, entre eles a
inconformidade com a crescente influência do poder econômico na vida política
brasileira, inclusive dentro do partido que ajudou a fundar e a construir. Em
uma conversa, na tarde desta quarta-feira, em seu gabinete na Assembleia
Legislativa do Rio Grande do Sul, Raul Pont explicou ao Sul21 os seus motivos:
“É uma decisão
pessoal que, evidentemente, pode estar subordinada a um debate político no
partido ou na minha corrente (a Democracia Socialista). Mas a minha disposição
pessoal é de não concorrer. Não há uma única razão. A primeira delas tem a ver
com o sistema eleitoral que nós temos. Não estou descobrindo agora que esse
sistema não é bom ou que o acho antidemocrático. Eu luto e brigo contra isso há
décadas. Quando fui eleito para a Câmara Federal a primeira coisa que fiz foi
tentar levar adiante uma emenda constitucional que buscava estabelecer um
mínimo de identidade na representação proporcional dos estados. Não consegui
apoio nem nas bancadas dos partidos de centro e de direita de São Paulo, o
maior prejudicado nesse modelo. Ninguém quis discutir a proposta e o projeto
acabou arquivado”.
Esse era apenas um
aspecto de um sistema eleitoral que passou a ser cada vez mais questionado,
chegando ao ponto hoje, como se viu nas manifestações de junho, de sofrer um
grave processo de deslegitimação junto à população. E isso que, naquela época,
observa Raul Pont, o poder econômico não havia penetrado tanto a esfera
política como hoje. Aqui, ele aponta uma razão que expressa um grande
descontentamento com o estado de coisas dentro do PT:
“Naquele momento, as
nossas campanhas no PT ainda não estavam dominadas por essa lógica dos demais
partidos e as nossas candidaturas ainda eram muito coletivas. De lá para cá, e
principalmente a partir das eleições de 1998 e 2002, com a eleição de Lula
quando batemos no teto da nossa representação parlamentar, nós só patinamos.
Mesmo com o partido elegendo mais deputados estaduais, e construindo mais
diretórios estaduais, municipais e militantes, e ganhando a presidência, a
nossa bancada federal parou de crescer. E hoje está diminuindo, ainda que
tenhamos eleito o presidente da República três vezes seguida. Um estudo da Consultoria
Legislativa da Câmara Federal mostra que, na eleição de 2010, 370 deputados
foram eleitos combinando a condição de candidaturas mais caras (entre as 513
candidaturas mais caras do país)”.
O mais grave desse
cenário, diz Pont, é que ele tende a continuar e a se aprofundar, inclusive
dentro do PT. O valor das contribuições empresariais para as campanhas,
exemplifica, dobra ou mais que dobra a cada eleição, chegando a quase 5 bilhões
de reais na última campanha. E ele faz uma ressalva: “Isso do que foi
declarado. Houve muita triangulação dentro dos partidos e o que corre sem
declaração é incalculável”. Assim, trabalhando só com os dados do Tribunal
Superior Eleitoral, temos, na última eleição, quase 5 de bilhões de reais
doados por pessoas jurídicas para candidatos. “E são doações para candidatos,
não para os partidos. Os candidatos são escolhidos a dedo por essas empresas,
em todos os partidos, inclusive o nosso. O número de empresas dispostas a
financiar candidaturas dentro do PT cresce de maneira assustadora”.
Essa é uma das razões
que levou Pont a decidir não concorrer em 2014. “É um protesto mínimo e uma
espécie de denúncia de que esse sistema está podre e dominado pelo poder
econômico, e o será cada vez mais”. Mas esse não é o único motivo. Ele explica:
“Para mim, a
militância parlamentar é uma militância como qualquer outra. Não faço carreira
disso. A maior parte da minha vida política ocorreu fora do parlamento. Comecei
a militar 50 anos atrás e não tinha a mínima ideia ou pretensão de ter algum
cargo. Militava no movimento estudantil, no Sindicato dos Bancários. Em 1964,
eu era bancário e comecei a estudar História na UFRGS. A minha militância
começou efetivamente na resistência ao golpe militar em março de 64. De lá para
cá eu não parei e na maior parte da minha militância não precisei de mandato,
atuando até em condições muito mais adversas que a atual. Então, para mim o
parlamento não é o único espaço de atuação. Há o partido, sindicatos, entidades
sociais, o trabalho que posso fazer como professor universitário na área de
ciência política. Posso contribuir também com a formação política dentro do
partido”.
E uma terceira razão
tem um caráter mais pessoal:
“Tenho 50 anos de
militância. Vou completar 70 anos de idade no ano que vem. É claro que isso
cansa e a minha vitalidade não é a mesma dos meus tempos de estudante e de
jogador de basquete. Acho que o partido precisa se renovar e abrir espaço para
novos quadros. Votei a favor do limite de mandatos no último Congresso do PT
(que aprovou um limite de três mandatos). Acho que é um bom exemplo sinalizar
para a juventude, para outros companheiros e companheiras que estão com mais
vitalidade, mais pique, e que respondem também a uma nova conjuntura. Depois de
30, 40 anos, a vida de um partido político, principalmente num caso como o do
PT que teve um crescimento muito rápido, tende a uma certa burocratização, à
consolidação de funções e cargos de direção e representação parlamentar, que
vai acomodando as pessoas. Temos que ter regras e práticas como o limite de
mandatos ou a quota de 50% de gênero nas direções partidárias (também adotada
pelo PT no seu último Congresso) para evitar que isso ocorra”.
Ao explicar suas
razões, Raul Pont deixa claro que sua decisão de não concorrer em 2014 não
significa uma aposentadoria política. Pelo contrário, ele aponta com
determinação suas novas trincheiras de luta:
“Eu só não vou mais
lutar aqui dentro, vou lutar lá fora, Vou continuar escrevendo sobre isso,
denunciando essas práticas, ajudando a organizar as pessoas em favor de outro
modelo de política. Acho uma tarefa importante que pretendo continuar cumprindo
por toda a vida. Não estou saindo da política, estou saindo do parlamento, de
uma representação parlamentar”.
Para não deixar
dúvidas sobre isso ele critica duramente a aprovação da PEC do Orçamento
Impositivo, que obriga o governo a pagar todas as emendas individuais dos
parlamentares ao orçamento da União, até o valor de R$ 10 milhões por deputado
e senador:
“Há algumas
coincidências que são impressionantes. O mesmo Congresso que não consegue votar
o fim da guerra fiscal, um mínimo de reforma tributária para o país, a reforma
política e eleitoral, um imposto sobre as grandes fortunas, coisas que todos
dizem serem justas e necessárias, no meio dessa crise toda, 376 deputados, com
toda a facilidade e rapidez, aprovam uma proposta de clientelismo impositivo.
As emendas parlamentares, por si só, já são uma excrescência da política, um
clientelismo escancarado, a antessala da corrupção. Todo mundo que já passou
por uma prefeitura sabe disso. De certa forma, é a legalização da corrupção e
do clientelismo. Com exceção do PT que, para meu desgosto e contrariedade, liberou
o voto, todos os demais partidos, inclusive os ditos esquerdistas do PSOL,
votaram favoravelmente. Esses partidos orientaram o voto ‘sim’ nos dois turnos.
Como o PT não fechou questão, ao menos os deputados que integram a Mensagem ao
Partido e alguns outros votaram contra (40 deputados do PT votaram a favor).
Neste ponto, Raul
critica a postura da atual direção do PT:
“Eu sou parte da
direção, mas sou minoria dentro do Diretório desde a fundação do partido. Como
é que essa direção coordenada pelo Rui Falcão, que é o presidente do partido,
sequer estabelece uma orientação para a bancada. Pode até perder. Mas se você
não orienta, não diz que determinada política está errada, fica difícil.
Ninguém defende que essa PEC é uma política correta e republicana. Se todos os
partidos orientam o voto ‘sim’ e o nosso libera o voto, nem o nosso partido se
distingue. Como é que você quer que o eleitor, olhando para isso, vá confiar
nos partidos políticos. Nós estamos afundando um processo de representação
democrática duramente alcançado, que não é nenhum paraíso, mas que é superior
às ditaduras e a muitas democracias já completamente dominadas pelo poder
econômico como é o caso dos Estados Unidos. Essa lógica é mortal para o sistema
democrático e só favorece o autoritarismo e saídas fascistas”.